Até há meio século atrás, não existia aldeia beirã onde não fosse cultivado o linho. O cultivo do linho respondia às necessidades ancestrais de abrigo, proteção e conforto do corpo (roupas de vestir ou de cama), sendo que o mesmo existia, tal como acontecia com as restantes produções agrícolas e pecuárias, no contexto de uma economia de autossubsistência, na qual a maioria da produção de tecidos era para o uso da família, sendo igualmente comum que o trabalho (por exemplo, fiar ou tecer) ou o produto final (os tecidos) pudesse ser trocado por outros trabalhos ou bens, ou ainda, que os excedentes fossem vendidos nas feiras que existiam nas aldeias ou vilas principais da região.

A partir dos anos 50/60 do século passado, a importância do linho nas comunidades rurais começa a decrescer, o que está relacionado com a industrialização que:

“(…) tem lugar na nossa sociedade rural a viragem decisiva que marca o final dos seus conceitos tradicionais, do prestígio da casa e da agricultura familiar, da economia quase autárcica, que havia dominado a vida e a mentalidade da gente do campo, e nas quais as actividades linheiras, com o seu complexo material e simbólico, se integravam como um elemento necessário”.

(OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando, Tecnologia tradicional Portuguesa: O Linho, INIC, Centro de Estudos de Etnologia, 2º Edição, Lisboa, 1978).

Com a industrialização, o mercado passa a disponibilizar os têxteis de que a população necessita a um preço inferior (algodão, tecidos sintéticos, etc.), muitos deles oriundos de países em vias de desenvolvimento, onde os custos de mão de obra são inferiores aos de Portugal, uma consequência da crescente globalização económica.

Na região de Viseu, cultivava-se quase sempre o linho galego. O linho galego, da subespécie crepitans, tem flores pequenas e cápsulas muito abertas, semeando-se na Primavera, em terrenos regadios, ou seja, terrenos húmidos e fundos pela proximidade de água de ribeiros ou de sistemas de rega comunitária. O linho tem uma planta de haste fina, cuja fibra resultante é igualmente fina e curta, atingindo cerca de 35 a 50 cm de altura. O linho que se cultiva na região tem dois tipos de utilidade: fibra (o caule) e semente (o sistema reprodutor).

Pela contextualização anterior, é fácil deduzir que a aldeia de Várzea de Calde tem, desde tempos imemoriais, as condições perfeitas para o desenvolvimento da cultura do linho numa escala apreciável, pela proximidade da ribeira de Várzea e do rio Vouga (na zona das “poldras”), o que proporciona terrenos regadios em abundância. Tal como é comum dizer-se na aldeia: “aqui em Várzea sempre existiram e existem teares, casa sim, casa sim”, ou seja, estamos perante um caso paradigmático de especialização de uma aldeia numa atividade, especialização essa que vem do passado longínquo, não sendo, como tal, uma construção “idealizada” recente, como muitas vezes acontece. De seguida, descrevem-se com exaustão as fases do ciclo do cultivo e transformação do linho em tecido, tal como são praticadas na aldeia de Várzea de Calde. Sendo que, em Portugal, o ciclo do linho é relativamente uniforme, existem diferenças e variações regionais pontuais nalgumas das suas fases, em termos de forma, de denominação e de instrumentação utilizada.

Todas as fases do ciclo do linho foram objeto de uma longa investigação etnográfica nos anos de 2016 e 2019, a qual foi coordenada por Luís Costa e teve a colaboração na captação audiovisual de Manuela Barile, Liliana Silva, Alma Sauret, João Farelo, Nely Ferreira e Tânia Ribeiro. Manuela Barile, conduziu parte das entrevistas, sendo que teve ainda uma função coadjuvante na coordenação do projeto.

Em paralelo com a captação audiovisual das fases do ciclo do linho, foi efetuado um vasto conjunto de entrevistas às tecedeiras, documentos que se disponibilizam neste Arquivo da Memória de Várzra

LIVRO “VÁRZEA DE CALDE: UMA ALDEIA TECIDA A LINHO”

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