A aldeia de Várzea de Calde é parte integrante da freguesia de Calde, concelho e distrito de Viseu. A freguesia de Calde dista da sede concelhia, cerca de 12 Km e fica situada na margem direita do Rio Vouga, na encosta da Serra da Arada, confinando com os concelhos de Castro Daire e S. Pedro do Sul. Dela fazem parte as povoações de Almargem, Cabrum, Calde, Paraduça, Póvoa, Várzea, Vilar do Monte e o lugar de Vila Pereira. A freguesia ocupa uma área de 3 836 Ha, no planalto que rodeia a cidade de Viseu na sua extremidade norte.

O topónimo Calde deriva do genitivo antroponímico Calidus (“quente”), talvez por ser terra de clima soalheiro e acolhedor, referindo-se a um senhor de uma villa Callidi, sofrendo as naturais evoluções fonéticas, derivando em Cáldi. Esta última designação prevaleceu até ao século XIII, pelo menos. Também os topónimos dos lugares da Freguesia de Calde refletem a influência dos povos primitivos, como os árabes, cujo exemplo mais evidente é o topónimo “Almargem”.

A freguesia de Calde, cujo povoamento deverá remontar à época romana-lusitana, foi honra de fidalgos medievais. No eclesiástico, nada de concreto se conhece sobre a fundação da paróquia de Santa Maria de Calde, porém, alguns autores defendem que, tal como em Viseu e todo o seu termo, deverá remontar aos tempos da cristianização suevo-visigótica; pertenceu à paróquia de S. Pedro de Lordosa até ao século XVI, organizando-se a partir daí como paróquia independente. Por esta razão, o vigário de Lordosa representava o cura de Calde, o que atesta a relação ancestral muito próxima entre estas duas paróquias e freguesias, as quais se encontram à beira-Vouga, uma de cada margem.

Tendo a presença de água sido ao longo dos séculos um elemento potenciador da fixação de comunidades, percebe-se que a sua abundância em Várzea de Calde, quer por via do rio Vouga, junto às poldras, quer por via da ribeira de Várzea, afluente do mesmo rio, favoreceu desde tempos antigos a fixação de populações e a agricultura de regadio (o milho, o linho, as hortas, etc.).

Várzea – deriva de varcena > varzena. Que significa, de acordo com o dicionário toponímico de A. de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa: Um exame a um dicionário), “terra cultivada à beira de um rio, veiga, terra plana e que na força do inverno, pelo menos uma parte se cobre de água”.

Pensa-se que a fixação de populações humanas terá sido realizada após o arroteamento das margens da ribeira de Várzea, afluente do rio Vouga.

Segundo nos contaram, a aldeia de Várzea de Calde teve em tempos outro nome: Cortelhada, que essencialmente correspondia ao atual largo da capela de São Francisco, tendo na altura apenas sete habitantes. Um habitante decidiu, mais tarde, construir uma casa perto da ribeira, tendo-se começado a chamar Várzea a essa nova zona, denominação que mais tarde absorveu e incluiu a de Cortelhada.

Não obstante, a zona da aldeia situada junto à capela dedicada a São Francisco de Assis sempre foi considerada o “povo”, ou seja o centro mais antigo, o que pode ser atestado pela presença de casario mais antigo em granito, com as típicas varandas beirãs que ainda se podem ver. As principais famílias da aldeia, os Chaves, os Filipes, os Gonçalos, os Maurícios, os Caetanos e os Oliveiras, são originárias dessa zona da aldeia, a qual, não esqueçamos, está mais próxima dos campos mais férteis, pela presença simultânea de água e de boa exposição solar, o que facilitaria em muito as deslocações quotidianas entre as terras e as casas da aldeia.

É interessante notar que, um pouco antes de se chegar à aldeia de Várzea de Calde vindos do Almargem, existe um placa sinalizadora que indica “Vila Pereira”. Esta povoação é, na verdade uma extensão de Várzea de Calde, tendo sido fundada por um habitante desavindo com os demais, António Francisco Pereira, tendo este, por volta de 1938, decidido fixar-se nuns terrenos que tinha permutado por outros que possuía em Várzea.

Tal como muitas das aldeias da região, Várzea de Calde passou séculos praticamente com o mesmo modo de vida, próximo daquele medieval. As famílias viviam quase exclusivamente da agricultura de subsistência, sendo os principais produtos o milho, centeio, batata, vinho, feijão, azeite, castanhas e hortaliças várias. Existiam dois tipos de famílias em termos económico-sociais: as famílias de lavradores proprietários de terras e as famílias de caseiros ou de criados de servir, aquelas sem terras, muitas vezes oriundas de outras terras longínquas ainda mais pobres (serra do Montemuro, serra da Arada, etc.). Os criados de servir não recebiam qualquer dinheiro pelo seu trabalho nas sementeiras, ceifas, sachas, vindimas, colheitas etc., tendo apenas direito a alojamento (muitas vezes em pobre casebres) e a alimentação.

Por outro lado, a aldeia de Várzea de Calde está rodeada por uma mancha florestal significativa, a qual resultou de plantações, principalmente de pinheiros, efetuadas entre os anos 40 e 60 do século passado, em zonas até aí de mato rasteiro (o “monte”) de urze, giesta ou carqueja, monte esse que era tradicionalmente colhido em carros de vacas para a “cama” dos animais bovinos, ovinos e caprinos nas “cortes” (currais). Segundo nos contaram, ao início, a população não gostou de ver o seu antigo monte florestado, mas, com o passar dos anos, a floresta passou a ser um ativo de extrema importância para a comunidade, quer pela possibilidade quotidiana de as famílias terem lenha, quer pelas atividades de serração e de resinagem que passaram a ser desenvolvidas e, concomitantemente, a tornar conhecida a aldeia (e a freguesia), tal como pode ser constatado pelo acervo etnográfico sobre essas duas atividades existente na Casa de Lavoura e Oficina do Linho de Várzea de Calde.

Terminamos esta breve panorâmica histórico-etnográfica sobre a aldeia de Várzea de Calde referindo um aspeto de extrema importância para a compreensão da interdependência e da complementaridade entre as aldeias de uma mesma região: Desde sempre, e com absoluto pragmatismo, as aldeias da freguesia de Calde foram-se especializando em algumas atividades, que não a agricultura e pecuária que todas elas desenvolviam. Essa especialização ocorria devido a dois níveis de fatores: por um lado, a competência técnica que determinados habitantes revelavam em algumas dessas atividades e, por outro, as condições geomorfológicas das aldeias, que favoreciam determinadas atividades em detrimento de outras. Assim sendo, na aldeia de Várzea de Calde existiam carpinteiros (pela proximidade florestal) e tecedeiras de linho (pela qualidade do linho, dada a presença abundante de água), enquanto que outras aldeias se especializaram, por exemplo, na extração de pedra de granito (Calde), na atividade de ferreiro (Paraduça) ou na curtimenta de peles de caprino (Póvoa de Calde), neste caso pela existência de muitos rebanhos de caprinos, dada a aldeia ter na sua proximidade um monte rochoso adequado aos ditos animais.

Bibliografia:

CAPELA, José Viriato; MATOS, Henrique – As freguesias do distrito de Viseu nas Memórias Paroquiais de 1758, Universidade do Minho, Braga, 2010.

CORREIA, Alberto – Várzea de Calde: Identidades, a terra e os homens, Câmara Municipal de Viseu, Viseu, 2012.

FERNANDES, A. de Almeida – Toponímia portuguesa: Exame a um dicionário, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, Arouca, 1999.

ROUXINOL, Joaquim Oliveira – Calde: A terra e a gente, O Recado Editora, São Paulo, 2002.